Tito Guarniere - Excesso de Estado, não de mercado


O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, aos 86 anos, continua ativo na política, na formulação teórica e nas reflexões sobre o país. Agora, vem de produzir uma série de textos - que logo serão transformados em livro - nos quais argumenta a respeito dos nossos impasses: prever um futuro radioso para o Brasil parece estar se transformando em miragem distante.

FHC identifica três entraves da modernização brasileira: o que ele chama de ultramercadismo, a velha esquerda, burocrática e estatista, e o corporativismo.

Se tivermos olhos para ver, se não estivermos empacados no tempo e em certa retórica, concordaremos com ele, quanto às duas últimas razões. Uma pergunta, talvez: há esquerda que não seja burocrática e estatista? Hoje em dia, o que distingue acima de tudo a esquerda é o seu apego do Estado, a crença de que "um Estado conduzido por um partido iluminado pode ser um agente transformador do ser humano e da sociedade".

Quanto ao corporativismo, não há muito a acrescentar. O Estado brasileiro, em todas as suas instâncias, está quebrado. E quem tem a chave do cofre? As corporações do serviço público. É como se os recursos públicos só existissem para pagar a folha de funcionários e inativos. E mesmo para objetivo tão pífio, enfrenta dificuldades que parecem insuperáveis - vejam o Rio de Janeiro e o Rio Grande.

Não sei se FHC vai falar do corporativismo privado na série de artigos. Mas as empresas que têm negócios com o governo também se beneficiam das vantagens corporativistas. É do Estado (e portanto do distinto público) que sai uma parte substancial dos recursos públicos apropriados por empresas privadas, sob a forma de superfaturamentos de obras e serviços, e favores especiais, como financiamentos a juros subsidiados e de desoneração de encargos e obrigações. Neste caso há uma sociedade espúria de interesses de agentes políticos, servidores públicos e empresas privadas.

A meu juízo, entretanto, os argumentos do ex-presidente têm uma falha insanável. É estranho que FHC, com toda a sua bagagem teórica e política, tenha deixado passar em branco a questão. É quando ele atribui ao ultramercadismo a condição de um dos adversários da modernização brasileira.

O ultramercadismo, também chamado de ultraliberalismo, é entendido como o domínio dos interesses do mercado, com base na teoria do Estado mínimo, e na ideia de que tudo funciona melhor sem o Estado. O ultramercadismo tem como gurus pensadores como Milton Friedman e (no Brasil) Roberto Campos.

Ocorre que no Brasil não há nada parecido com isso. Não há nicho, setor, ou subsetor da economia, que não seja asfixiado nas teias extensas, profundas e onipresentes do Estado intervencionista, que fiscaliza, controla, penaliza, regula e cria exigências de toda ordem.

No Brasil não há sobra de mercado, há sobra de Estado. O que há por aqui é ultraestatismo. FHC sabe disso melhor do que ninguém. Ele - acho eu - pretende reabilitar a imagem na academia, no meio intelectual, onde predomina o pensamento de esquerda. É uma bobagem. A esquerda jamais o perdoará pelo governo "neoliberal". FHC tem verdadeiro horror dessa pecha.

titoguarniere@terra.com.br

Um comentário:

  1. O presidente FHC foi certamente um dos melhores presidentes que o Brasil já teve, mas ele em nada contribui para as soluções dos nossos graves problemas quando relativiza tudo. Presidente, em economia, não dá pra se relativizar, em economia 2 + 2 é quatro e pronto! Estado não tem que ser mínimo ou máximo, estado tem que ser o necessário. Por que razão eu preciso do estado no ensino superior? Nessa área o mercado se regula sem a mínima necessidade do Estado. Todos sabemos que de boa vontade o inferno está cheio. Quando se inicia uma universidade pública, o foco é o aluno, lá pelo meio, já é meio a meio - alunos e corporações de burocratas, no fim, lixem-se os alunos, pois queremos tudo pra nós. Hoje sabe-se que de 100% das verbas para o Ensino Superior, 95% vai para pagar os 'mestres'; investimentos, pesquisas, laboratórios, qualificação dos alunos, ZERO! Presidente, acorde, a corporação dos funcionários públicos tomou conta do estado, hoje tudo pertence a eles, hoje nada se move sem a anuência deles, hoje o estado está arrimo das corporações de funcionários.

    ResponderExcluir